16/02/10

Alterações legislativas e regulamentares

Hoje, partilho convosco um mero desabafo. Quando há uns anos se começaram a fazer reformas legislativas, todos compreendíamos que elas eram (e são) necessárias, que havia legislação antiga, desfasada da realidade, a qual impunha alterar, que havia legislação (e regulamentação) que competia desenvolver e alargar, em ordem a abranger realidades até aí descuradas pelas regras legais e regulamentares, enfim, que havia muito labor legislativo e regulamentar pela frente...
Enquanto jurista, não posso, no entanto, deixar de me lembrar e de salientar um dos princípios que bem cedo nos é ensinado quando começamos a aprender o que é a ordem jurídica, o que é uma regra, o que é um princípio de direito, a saber, o da segurança jurídica. Este princípio significa que tem de haver segurança na ordem jurídica, pois só assim pode haver confiança nas relações jurídicas entabuladas pelos sujeitos de direito.
É em nome deste princípio da segurança que se protegem certos direitos adquiridos, que existe uma figura jurídica denominada caso julgado, e por aí fora.
Se é possível compreender que a norma legal, regulamentar e outras tenham de ser alteradas em função da alteração da própria realidade social, já não se consegue perceber a razão pela qual, por vezes, as alterações sucedem com tão elevado ritmo e tão curtos intervalos de tempo entre si, mesmo antes da entrada em vigor das normas alteradas.
Exemplificando o que pretendemos dizer, vejam o que sucedeu desde a publicação do novo regulamento das custas judiciais. O Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, veio aprovar o novo regulamento das custas processuais, o qual, atendendo às suas disposições transitórias, deixa ainda o antigo Código das Custas Judiciais vigorar nos processos antigos (ou seja, por muitos anos ainda, já que não é provável que os processos pendentes findem proximamente - não são todos, mas é a maioria, atentas as disposições transitórias do D.L. n.º 34/2008 ). Temos, pois, dois regimes jurídicos em vigor em paralelo. E os casos multiplicam-se!
Além disso, quando o D.L. n.º 34/2008 foi publicado, em 26 de Fevereiro, previa-se a sua entrada em vigor no dia 1 de Setembro de 2008. No entanto, o diploma veio a ser alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo D.L. n.º 181/2008, de 28 de Agosto e pela Lei do Orçamento de Estado para 2009, tendo entrado em vigor apenas em Abril do ano transacto. Pelo meio, foram alteradas as disposições transitórias... antes da entrada em vigor do diploma.
Este é apenas um dos exemplos. Existem mais e, em meu entender, eles não são admissíveis, antes de mais, pela enorme insegurança que criam no próprio seio da comunidade jurídica.
Se depois de uma grande reforma legislativa tivéssemos a garantia de que as normas recentemente alteradas não seriam novamente alteradas antes de decorrido um prazo mais ou menos aceitável, isso seria uma coisa, mas o que tem sucedido não é isso, e vemos alterações legislativas de fundo recentemente ocorridas dar lugar a constantes alterações, maiores ou mais pequenas, que criam uma enorme confusão aos operadores judiciários e uma consequente insegurança aos destinatários das normas.
Experimente o legislador ser aplicador do direito e perceberá, então, a imensidão da tarefa com que se irá deparar...

2 comentários:

Iter Animus disse...

E esta "hiperactividade" desordenada do legislador, é provavelmente também a responsável pela rápida desactualização do saber das entidades públicas com atribuições/competências vitais para o quotidiano do cidadão. Alguns trabalhadores da Administração Pública não hesitam em responder despudoradamente "não sei"!

Joana Roque Lino disse...

Tem razão. Obrigada pela visita.