Para quem defende a consagração da incompatibilidade entre o desempenho das funções de agente de execução e a profissão de advocacia, não posso, enquanto agente de execução estagiária e advogada, deixar de expressar aqui o meu veemente repúdio por semelhante posição que, além de totalmente infundada, é persecutória dos advogados que decidiram lançar-se nessa oportunidade aberta pelo legislador e tem um cariz puramente eleitoralista.
Os profissionais escolhidos para desempenharem esta nova profissão foram os solicitadores, que não estavam preparados para estas novas funções, como, aliás, os próprios reconhecem. Ainda que tivesse sido outra classe de profissionais a iniciar o exercício das funções de agente de execução, essa falta de preparação estaria sempre presente.
Não osbtante, os solicitadores assumiram esse novo papel sem lhe virar costas, criaram uma aplicação informática que é cada vez melhor na gestão e tramitação do processo executivo e não podem ser - os solicitadores - todos valorados pela mesma bitola, não podem ser todos desconsiderados porque houve quem envergonhasse a classe e cometesse erros gravíssimos, antes de mais, por falta de efectiva fiscalização do desempenho da profissão, e por falta de adequada produção legislativa a esse nível aquando da criação da figura do AE.
Em finais de 2008, o legislador veio abrir a porta aos advogados para poderem entrar nessa nova profissão de AE. Ao fazê-lo, consagrou uma incompatibilidade muito clara entre o exercício da profissão de AE e o exercício do mandato no processo executivo, o que faz todo o sentido, dado que não se pode querer estar, ao mesmo tempo, dos dois lados de uma mesma situação que exige pólos opostos.
Assim, dispõe o artigo 120º, n.º 1, al. a) do Estatuto da Câmara dos Solicitadores que "é incompatível com o exercício das funções de agente de execução: o exercício do mandato em qualquer execução". Mais! Esta incompatibilidade estende-se aos sócios do agente de execução.
Além desta incompatibilidade, que é clara e está correctamente definida, consagram ainda os mesmos Estatutos os seguintes impedimentos: o AE não pode desempenhar funções enquanto tal quando participou na obtenção do título que serve de base à execução (enquanto advogado ou ou solicitador); nem pode desempenhar funções de AE quando tenha representado alguma das partes nos últimos dois anos. Estes impedimentos estendem-se aos sócios dos AEs, bem como aos advogados e solicitadores que partilhem o mesmo domicílio profissional.
Para além deste impedimento, "o solicitador ou advogado que foi agente de execução está impedido de exercer mandato judicial em representação do exequente ou do executado, durante três anos contados a partir da extinção da execução na qual tenha assumido as funções de agente de execução" (vide o artigo 115.º, n.º 2 do ECS).
Sucede que os solicitadores, para quem possa não saber, podem exercer o mandato judicial, ou seja, podem representar uma parte num processo cível (vide artigo 99.º, n.º 1, do ECS). Não obstante esta faculdade, nunca se colocou a questão de o AE poder ser simultaneamente solicitador.
Ora, sendo assim, qual é a razão de ser da defesa da incompatibilidade total entre o exercício da profissão de advogado e o desempenho de funções de AE?
Não só não são públicas, como me choca que, por contraposição, nada se diga quanto à cumulação do desempenho das funções de deputado à Assembleia da República com as de advogado. Aqui, não se colocam questões de incompatibilidade, pois claro!! E a mesma excepção existe para os seus adjuntos, assessores, secretários e funcionários, mas aqui, repete-se, não há qualquer problema de incompatibilidade!!
Para além da pura pretensão não fundamentada de pôr cobro à possibilidade de o advogado poder ser AE, porque é disso que se trata, fechar a janela depois de se ter aberto a porta, parece-me que existe um grande desconhecimento desta figura profissional do AE.
Actualmente, e de acordo com a informação a esse respeito disponibilizada pela CPEE e pela Câmara dos Solicitadores, existem cerca de 600 (quase setecentos) AEs em exercício de funções. Destes 600 profissionais, 163 tiveram apenas entre 0 e 50 processos executivos para tramitar, 228 AEs tiveram entre 50 e 200 processos executivos e 186 AEs tiveram entre 200 e 500 processos, sendo que, apenas 10 AEs tiveram mais de 3000 processos para tramitar, 15 AEs entre 2000 e 3000 processos e 27 AEs entre 1000 e 2000 processos.
Isto significa que 81% dos AEs tiveram menos de 500 processos exeuctivos para tramitar. Ou seja, e ao contrário do que muitas pessoas pensam, no sentido de se tratar de uma profissão rentável, apenas um punhado de AEs (cerca de 50) tem o grosso das execuções mais "rentáveis", se assim lhe quiserem chamar, e a maioria não consegue sequer fazer da profissão modo único de fonte de rendimentos, sob pena de terem de fechar os seus escritórios.
Ponderaram isto?
Impedir que um advogado possa ser AE é o mesmo que dizer neste momento que os advogados não podem ser AEs. Impedir que um AE possa ser advogado é o mesmo que dizer aos advogados que neste momento empenharam já muito dinheiro e tempo no estágio de Agente de Execução que, se quiserem enveredar pela nova profissão, arriscam-se muito provavelmente a passar muito mais dificuldades do que neste momento atravessam na própria advocacia.
Para terminar, o que se defenderá como destino a dar à CPEE (Comissão para a Eficácia das Execuções)? O que se defenderá para aqueles profissionais que vão iniciar, como eu, muito em breve, esta nova profissão em cumulação com a advocacia, ao abrigo de um direito criado e permitido pela lei? O que se defenderá para as expectativas, legítimas, das centenas de advogados que vão concorrer a um segundo e a um terceiro cursos de AE?
Desejo apenas que este breve texto possa servir como base de reflexão, e nada mais!